SÃO PAULO – A freada nos investimentos do setor sucroalcooleiro, após o revés sofrido com a crise mundial de 2008, poderá interromper o sucesso do etanol brasileiro, uma experiência vista como modelo no mundo inteiro. Sem grandes projetos à vista, a expectativa é que haja déficit de cana-de-açúcar para atender à frota crescente de veículos flexíveis, cuja participação no mercado nacional tem avançado a uma taxa média de 35% ao ano desde 2006.
Se não houver uma reversão no quadro, a previsão é que o volume de carros bicombustível abastecidos com etanol caia gradualmente. A participação, que já atingiu 60% na safra 2008/2009, recuou para 45% neste ano, e pode despencar para 37%, em 2020/2021, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). Na prática, o motorista terá de consumir mais gasolina, por causa da desvantagem do preço, ou reduzir o uso do veículo.
A meta da Unica era abastecer com etanol 66% da frota de bicombustíveis – ou seja, dois terços do mercado. Mas falta matéria-prima. Nesta safra, por exemplo, o déficit seria de 143 milhões de toneladas de cana para conseguir atingir o objetivo. Para os próximos dez anos, a diferença tende a aumentar e alcançar 400 milhões de toneladas se novos projetos não saírem do papel.
Esse déficit deve ocorrer mesmo com a expansão prevista para as 430 usinas em operação hoje, diz o presidente da Unica, Marcos Jank. A expectativa é que, juntas, elas acrescentem 342 milhões de toneladas de cana nos próximos dez anos, sendo 146 milhões até 2015. Isso vai envolver a renovação dos canaviais e expansão da área plantada. Mas esses investimentos serão suficientes apenas para atender a uma parte da demanda.
Área plantada. Para abastecer 66% dos carros flex, o País teria de dobrar a área plantada, chegando a algo como 18 milhões de hectares – isso, nos padrões atuais, sem considerar as novas tecnologias, que poderão aumentar a produtividade. Na safra atual, o aumento da área plantada será de 4,8%, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Nas contas de Jank, o setor precisará de R$ 80 bilhões de investimentos nos próximos dez anos para atender à demanda. Isso significa 133 usinas, ou 15 unidades por ano.
O problema é que não há sinalização de que esses projetos possam se tornar realidade no curto prazo. O vice-presidente da Dedini (fabricante de equipamento), José Olivério, confirma o baixo astral do setor. Ele conta que a última decisão de investimento foi tomada em 2007.
Desde então, não surgiu nada novo. Este ano, apareceram algumas consultas, segundo ele, mas a maioria se refere à expansão da infraestrutura atual. “São projetos que foram interrompidos com a crise e que agora precisam ser revistos, precisam da atualização dos orçamentos. Mas o movimento está muito tímido”, destaca Olivério.
Estadão