De tempos em tempos, vemos a grande mídia noticiar a suposta existência de cartéis de postos revendedores de combustíveis. Em geral, essas notícias são veiculadas quando ocorre um aumento de preços ao consumidor final ou quando alguém resolve questionar a similaridade de preços entre os revendedores, ousando a afirmar, sem qualquer conhecimento de causa, que existe um cartel. Vamos aos conceitos.

Cartel é uma infração da ordem econômica prevista nos artigos 20 e 21, incisos I, II e III da Lei Nº 8.884/94, que ocorre quando os concorrentes que detenham efetivo poder econômico combinam preços ou condições de venda de um produto ou serviço ou, ainda, quando os concorrentes dividem o mercado de modo que não concorram entre si. O cartel, assim, deve ser entendido como um pacto de não concorrência e constitui infração administrativa, além de ilícito penal. Porém, a real ocorrência de cartel é rara e a similaridade de preços nem sempre significa a existência de um cartel. Muitas vezes, o consumidor e mesmo as autoridades fiscalizadoras acabam acreditando que haja cartel por estarem influenciados pelos mitos que reinam no imaginário coletivo, mas que devem ser afastados a fim de evitar processos contra revendedores inocentes.

Os três mitos sobre a existência de cartel na revenda de combustíveis são os seguintes: a) baixa variação entre os preços praticados pelos postos de uma mesma cidade (preços similares ou iguais); b) aumento dos preços em datas próximas (em geral, na mesma semana); c) preços superiores aos praticados em cidades vizinhas. O primeiro mito decorre de uma falsa percepção de que preços parecidos ou iguais somente poderiam decorrer da prática de cartel.

A similaridade de preços na revenda ocorre porque os combustíveis, que são produtos homogêneos em termos de características e de qualidade, possuem preços iguais na fonte produtora e muito parecidos nas distribuidoras, o que se reflete nos postos. Além disso, as margens de lucro da revenda são pequenas – muitas vezes, de poucos centavos –, e não há espaço para grande variação de preços. Aliás, preços muito abaixo da média devem ser analisados caso a caso e com muita atenção, pois, em geral, são ofertados por empresas que não estão cumprido suas obrigações fiscais, tributárias e sociais ou por empresários que vendem combustível em desconformidade com as regras de qualidade e pureza editadas pela ANP.

O segundo mito refere-se à conclusão de que, quando todos os revendedores aumentarem os preços em datas próximas, significaria que estariam agindo em cartel. Como os preços dos combustíveis são públicos e devem inclusive ser afixados em placas visíveis a longa distância (art. 10, VII, da Portaria 116/2000 da ANP), os revendedores rapidamente tomam conhecimento dos valores praticados por seus concorrentes mais próximos e acabam acompanhando esses aumentos. Esse tipo de prática se chama paralelismo simples de preços, ou seja, os concorrentes, em geral, imitam os preços uns dos outros, tanto quando os preços sobem como quando caem. O mero paralelismo de preços não significa a existência de cartel e não é proibido por lei.

Por fim, o último mito a ser desfeito é o pensamento de que, quando os preços praticados pelos postos de uma cidade estão mais altos que os de cidades vizinhas, isso significaria a existência de um cartel. Cada mercado é um mercado e, dificilmente, pode-se comparar uma cidade com outra. A disposição que o consumidor tem a pagar por combustíveis varia de acordo com a renda per capta da população, com os custos de fretes, com as condições de oferta e demanda, com o número e a localização geográfica dos postos, enfim, o preço varia de acordo com as peculiaridades de cada mercado. Por isso, se o preço do combustível está mais caro na sua cidade do que na cidade mais próxima, isso não significa, necessariamente, que esteja havendo um cartel.

Para que exista um cartel, é preciso comprovar que houve um acordo entre os concorrentes, de modo a fraudar a livre concorrência, e não simplesmente que os preços são parecidos ou que houve aumento simultâneo ou, ainda, que os valores em sua cidade são mais altos que os de outra. Como visto, o cartel é ilegal, mas sua configuração depende sempre de prova de que os revendedores combinaram preços entre si, ou seja, que existe um pacto de não concorrência. Sem essa prova, não há cartel.

Arthur Villamil é Advogado do Minaspetro, consultor da Fecombustíveis e sócio do escritório Neves & Villamil Advogados Associados.

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